Não é todos os dias que me esquivo às tunices neste blog, mas hoje tem que ser, tenham paciência. Depois do concerto de Leonard Cohen no Pavilhão Atlântico, sinto-me como um adolescente após a sua primeira noite a sério com uma mulher: já tinha ouvido falar disso, visto isso, pesquisado sobre isso, feito perguntas sobre isso, trocado impressões sobre isso, comprado vídeos, revistas e discos sobre isso, tentado em vão fazer isso mas nunca o tinha antes vivido. Como o afortunado adolescente, sinto-me simultaneamente energizado, instruído e realizado. O que aprendi nessa noite de 30 de Julho como homem e músico ultrapassa muito do que até hoje tinha tentado aprender.
Comecemos pelo homem: um judeu (de origem)/ex-maníaco-depressivo/ex-monge budista/poeta de renome/novelista/escritor de canções (mais de 1500 versões das suas músicas gravadas)/trovador/crooner, financialmente, artisticamente e pessoalmente realizado - depois de ter passado a maior parte da vida a combater a profunda depressão clínica que o abandonou apenas em idade avançada - obrigado a voltar à estrada aos 73 anos de idade após um agente lhe ter roubado milhões. Tudo faria prever uma série de concertos formatados, rotineiros, de qualidade menor, para voltar a encher os bolsos do Sr. Cohen. Desenganem-se. O que os 12 mil espectadores/cúmplices presentes no Atlântico presenciaram foi, sem dúvida alguma, o melhor, mais emotivo e marcante concerto das suas vidas.
Tudo foi perfeito: o repertório - mas isso já sabíamos - o alinhamento, os músicos (profissionais com distintas e prolíficas carreiras a solo a quem Cohen permitiu por várias vezes brilhar e que receberam fortes e longos aplausos da plateia, e numa ocasião de pé), o som (numa sala conhecida pelos ecos e outras aberrações sonoras, os técnicos deste senhor mostraram como se faz), o coro (com a vencedora de um Grammy e co-escritora Sharon Robinson e as sublimes Webb Sisters) mas, e acima de tudo, Leonard Cohen.
Sobre o homem, há que dizer que não só não defraudou as mais altas expectativas, como as excedeu a todos os níveis. Nunca se ouviram melhores versões das suas músicas - li, aliás, de fãs não portugueses que têm vindo a acompanhar esta tournée que foi possivelmente a melhor prestação ao vivo até hoje - e nunca a sua voz soou tão grave, poderosa, clara, íntima e reconfortante. A sua dicção diz muito da importância que dá a cada palavra que escreve e a segurança com que dedilha com segurança a guitarra (ou brinca jovial, alegre e competentemente com o sintetizador) não evidencia o número de anos que esteve afastado destas lides. A sua mera presença impressiona, a sua simpatia cativa, a sua humildade desarma-nos, a sua autenticidade comove-nos. Como músico e compositor (de faz de conta, é claro, mais ainda assim sei umas coisitas) fiquei perplexo com o nível de perfeição do que vi. Como espectador e ser humano, sinto-me honrado e feliz por ter presenciado tão brilhante e emotivo concerto.
Em plena comunhão com um público rendido, Cohen canta, recita, ora, dança, ajoelha-se, brinca, e agradece constantemente tirando o chapéu durante três horas (velho, mas quem é velho?), num concerto com duas partes e três (!) encores, que começou quente (com "Dance me to the end of love") e que a partir daí só teve pontos altos. Casais dançam nos corredores, algumas pessoas choram nas suas cadeiras e todo o público aplaude sonora e entusiasticamente, levantando-se inúmeras vezes até o momento em que não se senta mais, quebrando o "protocolo" e chegando-se à frente do palco.
Leonard Cohen termina - com o perceptível ar de quem gostaria de ficar toda a noite - com vários agradecimentos (não deixando ninguém de fora, dos técnicos ao catering), um pedido ("a difficult one: be kind") e uma benção (*), enquanto músicos, coristas, roadies e outros cantavam a cappella "Whither Thou Goest".
(*)"Until then, please take care of yourselves, its... the weather's tricky out there, don't catch a summer cold. If you've got to fall, fall on the side of luck. This one's very difficult: Be Kind. And listen friends: may the coming year find you surrounded by family and friends, but if this not your luck, may the blessings find you in your solitude.Good night friends.
Thank you.GOD BLESS."
Todos, inclusive as tunas, podemos aprender com Leonard Cohen. É que há coisas que são universais.
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