A propósito do 25º Aniversário da Tuna Académica da UTAD (1983-2008), que marcou também o ressurgimento das tunas académicas em Portugal, após o 25 de Abril de 1974, aproveito para fazer um brevíssima resenha histórica do movimento tunante em Portugal, tecendo também algumas considerações sobre o seu actual lugar no actual contexto social e académico .
“AS TUNAS NO PÓS-25 DE ABRIL: DO RESSURGIMENTO DE UMA TRADIÇÃO À GÉNESE DE UM MOVIMENTO“
Directamente inspiradas nas bem mais antigas suas congéneres espanholas, as tunas académicas surgiram em Portugal no final do séc. XIX, nomeadamente no Porto, Coimbra e Lisboa. Com um repertório eclético e marcadamente clássico, fizeram várias digressões pelo país e por Espanha. Embora a sua história não esteja documentada ao pormenor, sabe-se que houve períodos de intermitência na sua actividade, o que não é de estranhar se considerarmos as conturbações do século XX em Portugal e no Mundo.
Um período negro para as tunas, assim como para toda a tradição académica, ocorreu durante os anos de maior constestação ao antigo regime nas universidades. Acusados de elitistas e de apoiantes do Estado-Novo, os académicos foram injustamente perseguidos (e inclusivamente agredidos) durante os quentes anos pós-revolucionários, o que teve uma influência directa na actividade e sobrevivência dos grupos académicos.
No entanto, lentamente, as tradições académicas começaram a ressurgir e, sobretudo no norte do país (com especial destaque para a academia portuense) - alguns alunos começaram novamente a envergar orgulhosamente o traje académico e as respectivas associações académicas iniciaram ou retomaram a sua actividade. No dia 11 de Maio de 1983, nasce a Tuna Académica da UTAD, depois seguida - temporalmente, mas não a nível causal - a Tuna Universitária do Porto, Estudantina de Coimbra (na altura, a única masculina) - estas duas inspiradas por grupos homólogos das suas academias mas entretanto extintos - e Tuna da Universidade Internacional (Lisboa). Inesperadamente, dá-se um surpreendente boom no decorrer dos anos 90, durante os quais são fundadas a grande maioria das tunas actualmente existentes, bem como muitas outras entretanto extintas. Nesta década começaram as tunas a definir de modo individual a sua identidade musical, começando também a definir-se as ditas correntes estilísticas tunantes. Surgiram ainda as tunas femininas, criadas de raíz ou resultantes da reestruturação de tunas mistas, como aconteceu, aliás, com algumas das actuais tunas masculinas.
Com a crescente massificação do acesso ao ensino superior, o surgimento de novas universidades privadas (e o apoio dos seus órgãos dirigentes), disponibilidade de recursos humanos e logístico-financeiros, o entusiasmo próprio da juventude e o inevitável “factor-moda”, logo em cada universidade, faculdade, escola superior e esquina se reivindicava o direito de constituir uma nova tuna, ou várias. Um exemplo paradigmático da dimensão do fenómeno tunante foi o grande sucesso do programa “Eferreá”, na RTP1, e a entrada de algumas músicas do repertório dito tunante para o cancioneiro popular. Os certames de tunas de cariz competitivo - normalmente designados por festivais - multiplicaram-se e, desde então, o seu número tem sempre aumentado (em contraste com o que acontece com o número efectivo de tunas em actividade, mas já lá vamos) devido ao facto de outras entidades como Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, Associações de Estudantes, Comissões de Festa, etc. terem entretanto também tomado a iniciativa de organizar estes eventos, não raramente com resultados próximos do desastroso.
Como habitualmente acontece com as modas, e devido a uma conjuntura de circunstâncias que ocorreram no final dos anos 90 e a partir do novo milénio, muitas tunas foram-se extinguindo, enquanto que muitas novas surgiam numa tentativa de aproveitar o espaço deixado, para logo também desaparecerem ou tornarem cronicamente moribundas (com algumas honrosas excepções). A diminuição do número de alunos no ensino superior e os problemas financeiros que muitas universidades têm vindo a atravessar são muitas vezes apontados como os principais factores que ditaram a insustentabilidade de muitos projectos tunantes. Outra razão muitas vezes avançada para explicar este fenómeno é o aumento da distância cultural entre os alunos que integram hoje a faculdade e os académicos da velha guarda, patente nos primeiros pelo menor (ou inexistente) gosto pela tertúlia, boémia, actividades académicas e, pasme-se, falta de voz crítica e capacidade de luta, mesmo em questões que lhes dizem directamente respeito, como é o caso das políticas do ensino superior. Note-se que o facto destes dessensibilizados alunos assistirem aos concertos das Semanas do Caloiro e Semanas Académicas (agora denominadas em Vila Real por Queimas das Fitas, por razões por mim desconhecidas) não é, de maneira nenhuma, indicativo de qualquer gosto pelas actividades académicas, pois esses concertos apresentam-se hoje cada vez mais desvirtuados e descaracterizados, diferindo em muito pouco dos mais mundanos festivais de rock futricas. Assim, e como seria de esperar, não só as tunas mas todos os grupos culturais académicos (coros, companhias de teatro, grupos de fado, ranchos folclóricos, grupos de danças tradicionais, etc.) sofrem os efeitos da falta de interesse generalizada dos novos alunos pela cultura genuinamente portuguesa, talvez em parte consequência da globalização, mas certamente em muito devido à crescente e provinciana recusa e alienação de tudo que é tipicamente português.
Mas nem tudo é mau. Em algumas academias, houve espaço, condições e/ou engenho que possibilitaram o crescimento e significativa evolução qualitativa de alguns destes agrupamentos musicais académicos, o que em muito contribuiu para a dignificação do movimento tunante e das tunas como importantes representantes e divulgadores da cultura portuguesa. Muitas destas tunas de referência participaram já (e continuarão a participar) no nosso “Festa Ibérica”. Também nas academias insulares - um contexto académico muito sui generis - estes grupos tem vindo a prosperar, embora em número constante.
Hoje, em muitas academias, as tunas começam a tornar-se um último baluarte (e reservatório) da tradição académica. No entanto, nunca tal foi por estas reivindicado, já que o mundo tunante, embora visceralmente académico, não se esgota nessa sua dimensão. Isto tem acontecido, de modo curioso, paralelamente a uma evolução e diversificação das diferentes posturas das tunas, relativamente à sua relação com a praxe e academismo, havendo toda um espectro de posições neste campo.
A 10 de Abril e pela mão de Pedro Santos, a revista "Visão" dedicou uma breve reportagem sobre o actual contexto das tunas num mundo universitário em mudança. Embora os temas não sejam muito aprofundados, destaque-se que, após um longo período em que as tunas foram erroneamente associadas a copos e praxes violentas, ou estereotipadas por intermédio de ignorante preconceito (um pleonasmo, já sei, mas não resisti), surja uma reportagem que aborde algumas questões de fundo relacionadas com o mundo tunante e actuais desafios, sob uma perspectiva sociológica e no actual contexto de reformulação do ensino superior. Um dos mais importantes temas abordados é o facto de se encontrarem registadas no portal Portugaltunas (www.portugaltunas.com) cerca de 340(!) tunas em todo o país, mas o seu número real ser certamente bastante mais baixo, devido à extinção de muitos destes grupos.
Que desafios encontram hoje as tunas como movimento? Para além dos antigos como o preconceito ou a falta de apoios, acresça-se o Processo de Bolonha, a diminuição do número de estudantes no ensino superior, a perda dos ideais académicos e descaracterização daquilo que é o aluno universitário.
Reagindo ao estado de estagnação do movimento tunante e contrariando o anterior paradigma de “cada escola, sua tuna”, surgiram nesta última década novos e valorosos projectos de maior representatividade (ao nível da Academia ou Cidade/Distrito), encabeçados por antigos elementos de várias outras tunas - e muitos já licenciados - ou mesmo da fusão de vários destes grupos (o que poderá explicar, até certo ponto, a diminuição no número total de tunas), reunindo experiência, know-how e maior cultura académica e musical. São disso exemplo a Tuna Universitária de Beja, a Tuna Académica de Enfermagem do Porto ou a Castra Leuca de Castelo Branco, entre várias outras. Diferentes destas na génese e propósito, começam também agora a surgir projectos como a Tuna do Distrito Universitário do Porto, maioritariamente constituídas por licenciados, de proveniência académica e geográfica diversas e com superior cultura musical e humana, enriquecendo ainda mais este movimento. Menos recente, com diferente natureza e objectivos, mas com potencial para um significativo acréscimo em número e relevância no panorama tunante português (estando neste momento algumas em projecto), é o surgimento das tunas de veteranos, das quais a Tuna Veterana do Porto ou a Tuna de Veteranos de Viana são exemplo.
Em jeito de conclusão, é inegável que o movimento tunante - hoje em franca maturação - se tem vindo a afirmar, contra todas as adversidades, como uma referência ímpar e incontornável desta colorida paleta que é a cultura portuguesa.
Alegria, tuna!
PS – Ah! E Muitos Parabéns, TAUTAD!
4 comentários:
Procedi a algumas pequenas correcções, por sugestão de alguns colegas tunantes. Aceito, evidentemente, mais sugestões.
Referes a Castra Leuca como tuna que engloba os estudantes do IPCB. de facto, isso só acontece no nome, pois a mesma é composta por alunos de uma só escola.
é diferente
um abraço para a grande transmontuna
A TUP - Tuna Universitária do Porto foi fundada em 1891. Ou seja, só tinha 92 anos qd foi criada a tuna da utad. Outra referência q não entendo é que a estudantina de coimbra era a única masculina? É que a TUP é anterior e sempre foi masculina. Algo neste artigo está profundamente errado
A esse respeito, e para que fique esclarecido, aconselho a leitura atenta da obra QVID TUNAE, onde um dos co-autores é um antigo membro da TUP.
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