terça-feira, 13 de outubro de 2009

Abusos na praxe vão ter consequências mais pesadas

Segundo notícia d` "A Voz de Trás-os-Montes".

Agora eu pergunto:

1 - Abusos de qualquer tipo não merecem SEMPRE e em qualquer circunstância consequências pesadas? Ou só aqueles que ocorram A PRETEXTO das "praxes"? Descansem portanto todos aqueles alunos e professores que, num outro contexto qualquer, abusem da autoridade, assediem moral ou sexualmente, tiranizem, magoem, violentem (fisíca, moral ou psicologicamente) e violem os direitos dos seus congéneres e/ou subordinados de qualquer forma. Não basta ser malfeitor, tem que estar trajado...

2 - Mas que raio fazia ali o Magnífico Reitor? E que estatutos referia, quando os mesmo não contemplam a praxe? Estaria o Reitor a incitar o cumprimento do "Código de Praxe" da UTAD, um documento academista satírico-humorístico sem qualquer tipo de valor jurídico-penal? Era giro...Vá lá, ao menos agora já não se limita a (tentar) regular a vida dos estudantes por decreto, optando por ser mais pedagógico e procurando alcançar os alunos, caloiros ou veteranos através do diálogo. E isso até nem é assim tão mau.

Praxe-se, então!

Numa altura onde algumas vozes se erguem contra a praxe, nada como exercer o direito ao contraditório, mas na voz dos caloiros. Assim sendo, fiquem com um relato na primeira pessoa de uma caloira, publicada n`"O Informativo", em Novembro de 2007 (original aqui):

"Todos os anos, é enorme o número de novos alunos que entram na UTAD. Chamam-lhescaloiros e são eles que “sofrem” as tão faladas praxes. Mas anal, o que é ser caloiro? O que é ser praxado? Para mim, que estou cá apenas há um mês, a praxe funcionou como uma forma de integração e familiarização com a cidade, com a universidade e com os colegas de curso, não só caloiros (como eu), mas também mais velhos. E a esses sim, devemos muito pelo facto de se preocuparem connosco e com o nosso bem-estar. A verdade é que a maioria dos caloiros tem que abandonar o seu lar, o que torna o processo de adaptação ao novo modo de vida mais difícil. Quando cá cheguei pela primeira vez, não conhecia nada nem ninguém, mas agora já não é assim. Posso dizer que quase me sinto em casa e que o devo aos meus doutores, mestres e excelências. E de que forma é que isso foi possível? Pois bem, são as tais ditas praxes que nos ajudam a criar laços e a encontrar apoio sempre que necessário. É desta forma que, com o passar do tempo, vamos fazer deste grupo a nossa nova família e deste espaço a nossa nova casa.
Surge-nos uma nova realidade, à qual não podemos nem devemos fugir. Temos responsabilidades acrescidas e não nos podemos esquecer que, a partir daqui, cada decisão que tomamos tem de ser devidamente pensada e ponderada. Apesar de ser difícil estar longe da família e dos amigos que deixámos, não nos podemos esquecer que, se estamos aqui, é porque queremos ter um futuro com o qual sonhamos. E como tudo na vida é feito de obstáculos, este é mais um que temos que superar. “Caloiros, aproveitem este primeiro ano ao máximo. Ele é vosso! Estes momentos não se tornarão a repetir e vocês jamais se esquecerão deles”. Foi assim que nos elucidaram para a nossa entrada na vida académica e é esse conselho que tenho seguido. Tenho-me divertido bastante desde que cá cheguei e devo-o a todos aqueles que se esforçam por nos integrarem. São estes momentos que gostava de repetir um dia mais tarde, mas que só poderei relembrar. E assim o farei, vezes e vezes sem conta...Vida de caloiro é alegria, diversão e entusiasmo!"
Ana Margarida Afonso
Aluna 1º ano Ciências da Comunicação

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Foi há dez anos...

...e no entanto ainda nos dói.


Ainda a Praxe...

Agradecendo desde já o trabalho a que "Sse deu para comentar o meu post anterior, exerço o meu direito de resposta até porque, pese embora algum humor, o texto a que respondo não extravasou o que considero ser o limite de respeitabilidade e elevação necessárias a um debate franco. Se me é permitida uma provocação, foi um texto quase, quase académico. Gostaria de ser mais breve - e temo que estejamos a entrar num ciclo de postagens e contra-postagens infrutíferas - mas cá vai, ainda assim.

Permitam-me começar por repudiar a exploração ad nauseum da trágica morte do Diogo, e o seu uso como argumento anti-tradição académica, mais ainda quando sustentados em especulações. Já muitas vezes disse que não me passa pela cabeça que alguém na tuna desejasse mal ao Diogo, e muitíssimo menos a sua morte. Note-se ainda que - num hipotético e improvabilíssimo cenário - alguém um dia falecesse num ensaio duma qualquer tuna por razões remotamente atribuíveis à mesma, o uso dessa fatalidade para associar situações tão distintas como as praxes iniciáticas e a praxe em tuna continuaria a ser falaciosa e manipuladora.
Infelizmente, nunca ninguém saberá ao certo os reais contornos daquela fatídica noite, e toda a gente beneficiaria com a verdade, seja ela qual for, mas uma coisa podem ter como certa os membros do "MATA", que não conheceram o Diogo, e essa é a dor sentida pelos seus amigos na tuna pela sua perda. Eu não conhecia muito bem o Diogo, mas partilho convosco uma lembrança sempre presente que tenho dele. Numa altura, no seu quarto em Fão, o Diogo apresentou-me aos "Pearl Jam" com a música "Alive", quando éramos jovens adolescentes. Desde então, sempre que oiço essa música (mesmo antes dele falecer), que me lembro dessa mesma manhã.

A necessidade que vi em dar um pequeno CV – injustamente explorada como pretenciosismo - resultou da ignorância de muitos dos contribuidores para a discussão que caracterizaram – erroneamente, claro – os academistas (prefiro ao termo “académico”, por associação a quem segue essa carreira profissional) como pessoas que se arrastam pela faculdade anos a fio. Para além disso, em termos de credibilidade para este assunto, creio serem mais relevantes os meus doze anos de academismo que os cursos que tenho ou o trabalho que desenvolvo. Posso, contudo, esclarecer que numa das minhas tunas temos um nível de sucesso escolar muitíssimo (próximo dos 100%) acima da média dos restantes alunos da universidade, tendo três de nós mais que uma licenciatura, sendo outros tantos Mestres “pré-bolonheses” e estando a grande maioria a trabalhar na sua área e dando o seu contributo para a sociedade. Na minha outra tuna, onde a média de idades está acima dos 28 anos, somos na quase totalidade licenciados - tendo alguns família com filhos, eu inclusive – e também trabalhos de reconhecido mérito. São as tunas, aliás, excelentes factores de fixação dos alunos nas suas respectivas universidades e até cidades de acolhimento, principalmente no interior do país, já para não falar no magnífico trabalho que (muitas) têm na valorização do melhor que o repertório português tem e na defesa dos instrumentos típicos. Mas não é o grau académico que confere maior ou menor legitimidade para “praxar”, saliente-se. Não se pode é cair na tentação de traçar uma caricatura dos academistas e, por cima, usá-la como argumento anti-Praxe ou anti-praxes. É intelectualmente desonesto e em nada contribui para o debate que urge fazer, e que foi já lançado aqui.

A questão das hierarquias, cuja menção foi em resposta a intervenção de outrem, é também aqui mal interpretada. Sou, no essencial, um defensor da meritocracia e não aceito a discriminação ao nível dos direitos, oportunidades ou dignidade fundamentada no berço ou posses, mas tampouco na capacidade, note-se. Atente-se, contudo, que reitero na íntegra tudo que disse sobre o estabelecimento de hierarquias - temporárias ou permanentes, complexas ou lineares - como condicionante biológica (goste-se das mesmas ou não) mas até nem considero que a sua natural ocorrência (e que leva à sua formalização, aquilo que tu chamas hierarquias artificiais) justifique, per se, o seu estabelecimento na Praxe. Ainda assim, tendo por certo que somos diariamente praxados pelo patrão, pelo professor, pelo presidente da junta, pelo pequeno administrativo da função pública - e, infelizmente, pouco podemos fazer acerca disso - até considero deveras refrescante que possamos aderir a um sistema hierárquico de livre e espontânea vontade, ainda que julguem não ser este o caso.

Onde vêem hierarquias artificiais e rígidas, eu vejo a equidade levada ao extremo. Quem hoje é praxado, se o desejar, poderá amanhã praxar, se assim o entender. Não há paralelo a isto em lado nenhum. Em que ramo de actividade todos os funcionários poderão chegar a quadros médios ou superiores (salvem-se as devidas distâncias)? Mas, pergunto-me, deveria ser assim, uma vez que praxar não é, no meu entender, para todos? Não, e isso é algo que terá que ser mudado. Há que ver as motivações de quem quer praxar. Se as mesmas não forem estritamente altruístas e não tiverem por objectivo maior a integração e formação dos colegas mais novos, então mais vale estarem quietos.

Outro ponto fulcral: a obrigatoriedade ou não-obrigatoriedade de participar nas praxes. Se há ou não coação, ameaça, ou chantagem de algum tipo. No meu entender, a adesão às praxes (ainda que não à Praxe, pois não podemos aderir a um conjunto de valores que inicialmente desconhecemos) é absolutamente facultativa, e confiámos no discernimento de quem é legal e racionalmente maturo para justificar isso mesmo, se devidamente informado (e esta é outra questão que deverá ser aprofundada). Se alguém passa a adolescência reivindicando autonomia, responsabilidade e maturidade, não pode depois a posteriori argumentar que foi obrigada a rebolar na porcaria (prática que em circunstâncias normais não aprovo) pela promessa de um dia poder fazer isso a outros e/ou de poder vestir um fato preto. Reitero: se há coação tão forte que leve cidadãos adultos a fazer o que não querem, então a mesma tem que ser condenada. Mas não é esse o caso (habitualmente, pois lamentáveis e condenáveis excepções há) e basta perguntar à grande maioria dos académicos qual a altura preferida dos anos de universidade, e responderão quase invariavelmente: "quando fui praxado" (e não "quando praxei", pois acreditem que só dá trabalho, se for bem feito). Gerações de antigos caloiros agradecidos à minha pessoa - modéstia à parte - atestam isso mesmo.

Até se fazer um estudo absolutamente isento do suposto nível de coação - se alguma houver - vamos apenas confiar na nossa própria própria interpretação dos factos, fundamentada apenas na nossa experiência próxima e não numa análise objectiva e imparcial. Por isso mesmo acabamos por ficar sempre na mesma. Nós aqui, vós aí, perpetuando o status quo.

A praxe não é fora-da-lei, como foi sugerido. O que acontece é que não é regulada pela lei, e nem precisa. Todos somos cidadãos sujeitos às mesmas leis - seja qual for o contexto - e, se alguém decide de sua livre e espontânea vontade "praxar" ou ser "praxado", está no seu direito, se tal não significar esbarrar na liberdade de outrem. Já o disse anteriormente: a vivência académica diz tanto respeito à vida privada dos alunos do Ensino Superior como outra coisa qualquer. As tentativas de banir ou regular pela Lei - ou regulamentos internos das universidades - a Praxe fazem-me lembrar aquele hábito idiota e tipicamente norte-americano de legislar sobre práticas vistas como "imorais" - e que mais não são do que opções do foro privado de cada um - por um determinado segmento da população

Sois anti-praxe. Sim senhor, como vós há muitos anti-qualquer coisa, e até aí tudo bem, viva o pluralismo. Não entendo é esta a intransigência - derivada de uma "santa" ignorância e pensamento enviesado - que não permite olhar para a Praxe (atente-se à maiúscula) como fenómeno cultural com inúmeros aderentes, aficionados, beneficiários e promotores. Isto não é a tourada (que condeno, evidentemente), meus senhores, onde o touro não só foi convidado à força para a "festa", como não tem ainda o discernimento e possibilidade de a evitar. Já agora, e extendendo a analogia, não se diverte o touro na arena (como acontece maioritariamente com todos os caloiros em praxe), nem o mesmo estabelece relações de amizade quer com os seus congéneres quer com os toureadores, nem adere de sua livre vontade à cultura e valores tauromáquicos nem - passados dois anos - tem a possibilidade de cravar umas banderilhas no dorso dos toureiros, se assim o entender, e eles deixarem.

Reparem que da única vez que se referendaram as praxes - apenas uma componente da Tradição Académica, ainda que a mais polémica - 90% dos alunos da UTAD (os únicos que a referendaram, ou amplamente sondaram, se preferirdes ser mais rigorosos) votaram pela sua manutenção. Destes, sei que todos foram praxados, mas aposto que nem 20% "praxam" ou alguma vez "praxaram". Porque "praxar" BEM dá trabalho, exige imaginação, presença de espírito, toma tempo valioso de estudo e implica responsabilidades acrescidas (se bem que muitos as esquivam), nomeadamente por quem temos a nosso cargo quando praxamos. Assim o é, na minha perpectiva de "praxar", e que não envolve gritos, ameaças, exercício físico, "tortura" psicológica, "binge drinking", brincadeiras de cariz maracadamente sexual, tentativas de sedução de caloiras/os ou rebolanços forçados na porcaria (se bem que já me diverti à bravacom dezenas de colegas, em equipas, disputando râguebi com um berlinde na lama)

Há que repensar as praxes e os seus intervenientes, concordo. Preocupam-me os métodos, abusos e ignorância de muitos que hoje praxam (ou julgam praxar) - bem como outras desvirtuações da tradição académica, que ficam para outra discussão - mas olho também com preocupação as posições extremistas (e acreditem que já tive que lidar com extremistas em virtude da área em que trabalho) de alguns "anti-Praxe", alimentadas não raras vezes por uma ideologia que, como qualquer outra, cega a quem delas padece para a objectividade e abertura necessárias a um debate esclarecedor e porventura transformador de mentalidades e comportamentos, dum e do outro lado da "fronteira ideológica". Assim sendo, não há concessões, toda a tradição académica é demonizada e declarada como um alvo a abater. "É anacrónica, descabida e desnecessária". Pois, mas apenas pela irrelevante minoria que opta por não a viver.

Vaya com Dios, Negrita...

Morreu passado Domingo, as 74 anos Mercedes Sosa, "La Negra", um exemplo de talento, mas também de valor e coragem.


A Argentina está de luto, as tunas devem estar também, pela influência que a sua sonoridade nos deixou. Melhor que as palavras, só a obra:

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Praxe, tunas e o caso do Diogo.

Vem o M.A.T.A. (esfola!) no seu blog lançar a discussão sobre praxes a propósito da notícia de que a Universidade Lusíada terá que pagar uma indemnização pela morte de um dos seus alunos, ALEGADAMENTE como consequência de uma praxe perpetrada por elementos da Tuna Académica da Universidade Lusíada de Famalicão (TAULF).
Não tendo o meu comentário sido postado por aquelas bandas (talvez pelo tamanho do mesmo, não os vou acusar de censura sem provas disso mesmo, apesar desses senhores gostarem de fazer julgamentos em haste pública apoiados em mera especulação). Assim, deixo-a aqui para a prosperidade:

Meus senhores, peço desde já desculpa se o meu comentário for demasiado curto para a complexidade do tema em questão e a multiplicidade das opiniões aqui derramadas, mas bastante comprido para o que seria de esperar de um mero comentário num blog.

Embora não acredite que tenha mais legitimidade ou autoridade moral que qualquer outro nesta discussão, não deixarei de atestar a minha autoridade e credibilidade no que diz respeito a este assunto, para que não tenha que a ver questionada posteriormente.
Possuo duas licenciaturas pré-bolonhesas (uma de 5 e outra de 4 anos), sou doutorando em Ciências Biomédicas e desenvolvo trabalho de investigação em campos tão diversos como a ética animal, a educação e a biomedicina. Para além disso, respeito e promovo a tradição académica desde há doze anos, pertencendo simultâneamente a duas tunas.

Não vou entrar muito na discussão da necessidade de hierarquias, embora considere - e poderia aqui fundamentar cientificamente a minha opinião até à exaustão - que as mesmas, para além de constituírem um imperativo sociológico, são uma imposição da nossa própria biologia, tendo sido, aliás, aprimorada ao longo de milénios pela evolução. Aproveito ainda para relembrar que as pretensões de vivência ou organização anarquista (ou não-hieraquizada) aqui reinvindicadas como tal (do MATA ou outros) podem ser facilmente descontruídas, bastando para tal olhar para o modo como os seres humanos numa qualquer micro-sociedade se organizam.

Relativamente ao respeito que cada um tem pela Praxe (vulgo "Tradição Académica") e praxes, gostaria de clarificar que o mesmo diz respeito à vida pessoal de cada um, pois a adesão às mesmas é completamente voluntária, sendo indefensável que haja coacção a esse respeito. Não me venham com historinhas, que ninguém me convence que cidadãos ADULTOS, com direito a votar, casar, doar sangue ou qualquer outro órgão, trabalhar, emancipar-se dos pais (etc.), em plena posse das suas faculdades mentais e moralmente maturos, possam ser coagidos a fazer seja o que for, apenas pelo poder da persuasão de alunos com mais dois anos de idade que eles (ou menos, muitas vezes), habitualmente em inferioridade numérica.

Quanto a estas questões, aconselho que visitem estes artigos, que reflectem duas visões pessoais (ainda que possa não estar de acordo na íntegra com o artigo do "notas e melodias") em:

http://notasemelodias.blogspot.com/2008/09/notas-sobre-praxes-e-praxe.html

http://transmontunices.blogspot.com/2008/10/praxe-e-utad-uma-breve-reflexo-parte-1.html

http://transmontunices.blogspot.com/2008/10/praxe-utad-uma-breve-reflexoparte-2-da.html

http://transmontunices.blogspot.com/2008/10/praxe-e-utad-uma-breve-reflexo-parte-3.html

Não vou fazer ainda a apologia das tunas. Não é isto que está em causa. Deixo somente como nota de rodapé o papel marcante e indelével que têm tido na cultura portuguesa desde há mais de um século, embora derivem de uma cultura já multi-centenária na península ibérica, mas com uma linha consideravelmente distinta, no respeitante ao repertório, instrumentos, sonoridade e tradições.

Quanto a este caso, em particular, não me surpreende que a Universidade Lusíada tenha sido condenada a pagar uma choruda indemnização pela morte do Diogo (era esse o nome do malogrado estudante), não porque considere que tenha tido alguma responsabilidade na sua morte ou nos eventos subsequentes, mas porque, não havendo responsabilidade moral, poder-se-á alegar que há responsabilidade civil pois, de facto, um aluno morreu no campus universitário. Se um aluno tropeçasse nas escadas a caminho das aulas e daí resultasse a sua morte, poder-se-ia fazer a mesmíssima alegação.

As circunstâncias da morte são estranhas, isso é sabido. No entanto, tal não significa que tenha havido homicídio. Abordo isto num artigo antigo, que escrevi a propósito do tema, e no qual até mostrei o meu repúdio pela dita "praxe física", por não achar que a mesma contribua em nada para a formação pessoal do caloiro (ou o "praxando", que poderá não ser necessariamente a mesma coisa) ou que dignifique de alguma maneira a Praxe e as praxes. Assim, neste caso em concreto, e com o conhecimento que tenho da vivência no seio de inúmeras tunas, parece-me muito improvável que algum tuno pudesse agredir alguém tão violentamente que lhe provocasse danos permanentes ou letais, e simultâneamente lhe provocasse escoriações várias. Não faz sentido.

Permitam-me agora algumas reflexões sobre o que poderá ter acontecido nessa fatídica noite. Evidentemente, assumo o carácter hipotético das mesmas, por uma questão de honestidade intelectual, mas saliento que quem deveria ter o dever deontológico e ético de tecer conjecturas - a "eminente" jornalista Felícia Cabrita - se demitiu dessa mesma responsabilidade.

Não vou apoiar a "teoria da conspiração" de que o hematoma cervical e as escoriações teriam sido causadas pelo primeiro médico legista, reconhecida e visceralmente anti-praxe a psicologicamente perturbado, uma semana antes do seu suicídio. Ainda que perfeitamente plausível, é deveras conjectural.

Vamos então ao contexto do incidente. Não estamos a falar de um miúdo atacado selvaticamente num jogo de futebol por uma data de desconhecidos. Estamos a falar de um adulto, inteligente, educado, bem integrado, saudável, desportista e frequentando o 4º ano da faculdade durante uma actividade - ensaio da tuna - de um grupo ao qual aderiu voluntariamente (e no seio do qual, tanto quanto sei, se divertiu à grande durante anos) e rodeado por seus amigos. Não vos parece improvável que alguém, caloiro da tuna ou não, permitiria que outro(s) o agredisse(m) traumaticamente, ou causasse(m) escoriações de qualquer tipo?
Sendo o Diogo pandeireta da tuna e tendo levado as mesmas para o ensaio - apesar da sua mãe ter dito a posteriori que ele lá ia para anunciar a sua saída - não poderá haverá correspondência entre as pretensas escoriações e o bater e raspar das pandeiretas nas diversas partes do corpo, como consequência do normal decorrer da sua prestação artística?
Terá o Diogo tropeçado e caído a caminho da casa de banho, onde foi encontrado mal-disposto? Terá feito alguma lesão antes de ir ao ensaio?
Há muitos cenários alternativos àquele que, sem provas concretas, é discutido em praça pública como certo. Não podemos, evidentemente, colocar inteiramente de parte a hipótese de morte acidental por um evento associado ao decorrer do ensaio, embora tal me pareça altamente improvável. Nesse contexto, a morte do Diogo não deixaria de ser acidental, podendo mesmo ser equiparada às que ocorrem devido a um acidente desportivo. Lamentáveis, mas acidentais.

Como nota final, peço que não se aproveitem deste caso para atacar as praxes no geral. São contextos ABSOLUTAMENTE distintos e é completamente desonesto, bacoco e dum chico-espertismo lamentável pegar num caso como este, descontextualizá-lo e extrapolá-lo para construir um argumento (falacioso, claro está) contra a prática das praxes ou pior, para condenar a Praxe (vulgo, "Tradição Académica") como tradição e prática decorrente da vida de adultos, livres, maiores e vacinados.