Tendo entrado no primeiro ano com uma média bastante acima da classificação mínima para esse ano lectivo (e dos seguintes) no meu curso e dispondo do mesmo curso na Universidade do Minho (sou originário de Braga), muitos me perguntaram porque razão não me mudava para lá, até porque os meus pais certamente agradeceriam o corte nas despesas inerentes ao facto de estudar longe de casa. A razão é muito simples: logo nos primeiros dois dias que passei em Vila Real me apercebi que aí iria ser feliz.
Fui feliz porque aprendi a amar minha alma mater e suas tradições, bem como a cidade onde a mesma se sedia; fui feliz porque aqui fiz amigos, criei cumplicidades e encontrei aquilo a que hoje chamo de “minha família escolhida”; fui feliz de cada vez que fui chamado a defender as cores da UTAD por todo o país - incluindo regiões autónomas - e estrangeiro, com alegria, dedicação e arte, mesmo quando a UTAD nada fazia para me ajudar nessa actividade; fui feliz porque tive a oportunidade de aprender que fora das salas de aula também se aprendia, e que há aprendizagens essenciais à vida adulta que fogem ao âmbito do ensino formal. Em suma, fui feliz porque tive a oportunidade de viver o Academismo, no verdadeiro sentido do termo.
Pelo caminho, aprendi também que até uma academia relativamente recente pode ter tradições, indo beber aos centenários costumes académicos nacionais e de outros países do velho continente.
Sendo o Conselho Geral constituída maioritariamente por académicos, surpreende-me que desconheçam tão profundamente as raízes da tradição académica estudantil portuguesa, ao ponto de as quererem ver definidas e regulamentadas por via estatutária. Talvez o facto do Reitor ser proveniente de uma colónia ultra-marina e de ter chegado numa altura em que a Tradição Académica era atacada por ser erroneamente identificada com o anterior regime o justifique. Assim sendo, e de modo muito sucinto – e evidentemente limitado ao meu parco conhecimento da matéria – procurarei contribuir para enriquecer o conhecimento desta faceta da cultura nacional.
Muitas das tradições académicas actuais tem origem nos costumes dos alunos das primeiras universidades do continente europeu, ainda na Idade Média. Já as tunas académicas em Portugal datam de finais do séc. XIX. Também o hino académico mais popular em todo o mundo, o célebre “Gaudeamus” - tantas vezes cantado em sessões solenes da UTAD - revela a ousadia, ironia e bom-humor característicos dos estudantes universitários desde a época medieval, senso a sua popularidade devida à inclusão no final da magnificente “Abertura de Festival Académico” de Brahms.
A Praxe Académica - dos termos gregos Praxis, processo ao longo do qual a teoria se converte pela prática em experiência vivida e Akadémeia, nome da escola de Filosofia de Platão, por derivação do nome do herói grego Akádēmos, cuja lápide se situava já no bosque onde se Platão a erigiu – portuguesa tem a sua origem e referência máxima em Coimbra. Factores como a idade, convivência, cultura, gosto pela tertúlia e outras idiossincrasias dos estudantes universitários conimbricenses proporcionaram a génese dum conjunto de práticas, costumes e valores que lentamente vieram a constituir esta matriz cultural que serve como factor de identificação e distinção – não confundir com elitismo - dos estudantes universitários portugueses. Assim, é a Praxe uma parte indelével da cultura portuguesa que, ao contrário de anacrónica – como muitos a pretendem classificar – enriquece a imagem de um Portugal orgulhoso das suas tradições. Assim, o (bem) trajar – factor de uniformização e esbatimento de diferenças sociais e económicas entre todos que o envergam (ou pelo menos assim deveria ser entendido e envergado) – a Canção de Coimbra, as Tunas Académicas, as Serenatas (das mais públicas às mais recatadas), a tertúlia, os saraus, os “serrotes”, as cerimónias das Queimas das Fitas, as atribuições das insígnias, os cortejos, as missas de bênção das pastas e as praxes de recepção aos caloiros constituem diferentes facetas de um só fenómeno.
Uma das confusões mais comuns reside na distinção da Praxe (lato sensu, com “P” maiúsculo) que não mais é que o conjunto das tradições académicas, da “praxe” (stricto sensu, com “p” minúsculo) como o conjunto de actividades que rodeiam a recepção dos caloiros. É de facto, muito diferente “praxar” e “ser praxado” do “estar NA ou EM Praxe”. Neste último caso, cabem todas as actividades efectuadas por um aluno praxista quando devidamente identificado como tal, isto é, devidamente trajado. Assim sendo, o acto de “praxar” é uma das facetas da Praxis, sendo que esta de maneira alguma se esgota ou limita nessa actividade, não obstante o particular destaque no “Código de Praxe” da Academia Transmontana e Alto Duriense, já que se entendeu ser a “praxe” merecedora de maior atenção e regulamentação.
O uso do traje pressupõe o respeito pelo mesmo e por todas as normas consagradas no Código de Praxe mas também, e acima de tudo, a noção de que se está em representação de toda uma Academia, à semelhança do que acontece a todos os indivíduos que no decorrer da sua actividade profissional usam uniformes que os identificam com as instituições que representam, como polícias, militares ou mesmo quiçá jogadores de futebol.
Tendo descrito sucintamente o que a Praxe, de facto, é, convém que se esclareça também o que a Praxe não é, de todo. Estando TODA a Praxe sob a regulação e supervisão do Conselho de Veteranos, as actividades académicas fora deste âmbito – incluindo as promovidas por núcleos, comissões de curso ou a Associação Académica – não constituem um acto da Praxe, excepção feita aos alunos que nelas participam trajados já que tal pressupõe, por inerência, a sujeição às normas do Código de Praxe. Assim sendo, fica claro que um traje académico não é uma fatiota para tirar fotografias ou ficar bonito na televisão. Aliás, nada obriga – antes pelo contrário – a que dirigentes associativos ou de núcleos de estudantes se apresentem trajados no decorrer da sua actividade mas antes que, se o fizerem, devem entender que se apresentam como dignos representantes e defensores da Praxe (com “pê” maiúsculo), independentemente de “praxarem” caloiros ou não. Até porque “praxar” é de optativo, assim como o privilégio de ser praxado.
Ficou também claro para os mais atentos que actividades como os concertos promovidos pela Associação Académica durante as noites Semanas do Caloiro e Semanas da Queima das Fita em nada tem a ver com a Praxe. Na verdade, estes verdadeiros festivais de rock surgiram por todo o país como uma maneira destas associações angariarem receitas durante períodos nos quais, originalmente, tinham grande destaque as Actividades Académicas, no verdadeiro sentido do termo. Ironicamente, virou-se muitas vezes o feitiço contra o feiticeiro, já que muitas vezes, ao invés de gerarem lucro, dão grandes prejuízos. Infelizmente, sendo a UTAD o principal financiador da sua Associação Académica, acabamos todos por perder.
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