domingo, 26 de outubro de 2008

A Praxe e a UTAD: uma breve reflexão PARTE 1 – Os novos estatutos da UTAD e o actual contexto académico e social

Tive a felicidade de ingressar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro no já distante ano de 1998. Duas licenciaturas (pré-bolonhesas) depois e com um doutoramento em curso (noutra Universidade), continuo a acompanhar muito de perto tudo que se passa na minha alma mater, muito devido às actividades académicas - não curriculares, entenda-se - que com prazer continuo a exercer.

Após leitura atenta da proposta para os novos estatutos da UTAD, apraz-me que os mesmos proponham uma renovação efectiva, patentes na nova organização estrutural proposta (e que espero não se revelar mais "pesada" e/ou represente encargos financeiros acrescidos) assim como outras novidades, das quais destaco a criação do Provedor do Aluno, órgão que gostaria de ver implementado escrupulosamente segundo os moldes definidos estatutariamente. Tenho também estado bastante atento às mudanças que têm ocorrido na UTAD nos últimos anos, nomeadamente no que diz respeito ao crescente relevo dado às áreas das Ciências Naturais, Biotecnologias e Tecnologias da Informação, pese embora o facto de vários cursos na UTAD - antigos e recentes - carecerem ainda da aprovação das respectivas Ordens. A participação no projecto do Parque de Ciência e Tecnologia de Trás-os-Montes é também um indicador de uma estratégia virada para a inovação e de uma aposta clara em áreas em forte expansão e que tomarão um papel fulcral na nossa economia e modo de vida futuros.

Num cenário sócio-económico em constante mutação e desafios como o Processo de Bolonha; a crescente desertificação do Interior Português; o crescimento demográfico negativo; o aumento do rácio candidatos/vagas nas universidades do litoral; a falta de emprego dos recém-licenciados; o actual modelo de financiamento do Ensino Superior (e a real possibilidade de cursos com menos de 20 alunos virem a ser encerrados) ou a emergente Globalização, a UTAD apresenta-se, à primeira vista, como uma instituição ciente desses problemas e com um projecto para os encarar de frente e se apresentar competitiva face a outras universidades mais antigas e melhor estabelecidas no "mercado". Aqui fica, assim, o meu reconhecimento e louvor pelas iniciativas levadas a cabo desde que o Prof. Armando Mascarenhas tomou posse como Reitor.

Não obstante o reconhecimento aqui expresso e que, em nome da verdade e objectividade não podia deixar de destacar, obriga-me a coerência a constatar que, ao contrário do que à primeira vista se poderia pensar, nem tudo são rosas. Isto porque negras nuvens pairam sobre a UTAD, que colocam seriamente em causa a sua credibilidade e prestígio, fora e dentro de portas. Folgo em saber que fica consagrada estatutariamente a realização de auditorias externas periódicas, após a credibilidade da gestão da UTAD ter sido gravemente ferida pelos relatórios das auditorias conduzidas pelo Estado (e que colocaram a UTAD no 1º lugar das irregularidades financeiras de entre todas as instituições auditadas) e pelas acusações presentes no livro "A podridão da administração pública", cujas gravíssimas acusações a Reitoria se escusou a refutar, remetendo-se a um estranho silêncio que, no entender da maioria, apenas beneficia a quem proferiu as acusações.

É verdade que, ao longo dos nove anos em frequentei a UTAD, variadíssimas histórias de má gestão e relatos de despesismo sempre ecoaram e ensombraram os corredores da universidade. Por outro lado, tenho ouvido antigos docentes da UTAD falarem-me de situações eticamente inaceitáveis que ocorreram no passado, assim como já ouvi docentes actuais me dizerem para "fugir a sete pés da UTAD" e nem considerar a mesma para carreira futura, resultado do fosso económico que a instituição tem vindo a cavar há anos. Posso ainda testemunhar que presenciei e tive conhecimento de situações inacreditáveis levadas a cabo por funcionários - docentes e não-docentes – aos níveis administrativo, científico, pedagógico e humano.

Sendo a UTAD a única realidade universitária que conhecia, aprendi a ver facto de ter tido como docentes quatro familiares directos (pais e filhos) como uma situação normal; desconhecia ainda se a falta de qualificação de muitos docentes era prática tão comum noutras universidades como na minha ou se nestas cursos novos eram também idealizados de raiz sem os requisitos mínimos para serem aceites pelas respectivas Ordens. Indignava-me já, contudo, com o total desrespeito com que muitos docentes "contornavam" as Normas Pedagógicas – até porque muitas vezes desafiavam o que eu considero como senso comum - provavelmente apenas para poderem exercer uma suposta "autoridade" (moral? Científica? Académica?), que porventura julgavam derivar do número de classificações negativas dos seus alunos ou do simples facto de deterem um poder tão influente no futuro e vida dos estudantes. Por sorte, tive também a felicidade de ter encontrado docentes – bem como funcionários - excepcionais, quer ao nível humano, pedagógico ou científico. Habitualmente, estas três qualidades andavam sempre a par. Coincidência, porventura.

É devido a estes factos que considero preocupante o facto dos novos estatutos da UTAD não contemplarem a existência de um código de conduta nem explicitamente consagrarem como fundamentais a ética e integridade profissionais e científicas, bem como a Meritocracia como princípio basilar. Aliás, desconheço qualquer documento oficial da UTAD que o faça e é preocupante que a conduta dos membros da UTAD e a dos seus órgãos seja entregue à subjectividade da reflexão ética e matriz moral de cada um, que diferem mais de indivíduo para indivíduo do que muitas vezes estamos dispostos a admitir.

Isto leva-nos ao facto de, curiosamente, o mais próximo que os novos estatutos chegam da regulação da conduta dos seus membros - neste caso particular, apenas dos seus estudantes - é o entretanto celebrizado (e por alguns celebrado) 121º artigo, que consagra a regulamentação da Praxe Académica. Francamente, não consigo vislumbrar nele qualquer ponta de utilidade ou pertinência, se excluirmos as notórias utilidade e oportunidade políticas. A devida reflexão deste tema em particular merece o devido destaque, mas não antes de uma pequena introdução ao rico, fascinante e, ao que tudo indica, por muitos desconhecido mundo da Tradição Académica.

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